Os avanços tecnológicos e científicos, o crescimento populacional, a predominância do sistema capitalista e o consumismo são os responsáveis pela mudança ocorrida na organização social e econômica da sociedade contemporânea.
Diante das imposições da vida moderna, as pessoas são obrigadas a assumirem muitas responsabilidades, e, cada vez mais, enfrentam a dificuldade em conciliarem as diversas tarefas profissionais, estudantis, domésticas e familiares, por falta de tempo. Toda essa sobrecarga se percebe nas rotinas de adultos e crianças.
Antigamente, as crianças se reuniam com maior freqüência para brincarem perto de suas casas e não tinham excessivas responsabilidades e preocupações como as de hoje em dia. As brincadeiras eram passadas de pais para filhos, e enriqueciam-se com muita imaginação, integração e alegria. Era comum ver crianças brincando festivamente umas com as outras, correndo “de lá para cá”, leves e livres, mostrando ser realmente a infância a melhor fase da vida.
Na atualidade, as crianças são bombardeadas por informações, já possuem agenda de compromissos, têm seu convívio com outras crianças limitado e vivem também preocupadas com a violência; as brincadeiras criativas e integrativas foram substituídas por jogos eletrônicos, internet e televisão. Isso ocorre porque muitos pais insistem em diversificar a formação educacional de seus filhos com várias atividades extracurriculares para que sejam bem-sucedidos no futuro. E, como proteção à violência que se expande a cada dia, é mais cômodo e seguro para eles oferecerem aos filhos os recursos tecnológicos que tiverem ao alcance, para que a brincadeira aconteça em casa, sobretudo quando eles estiverem ausentes.
Só que essa solução não é satisfatória para as crianças, pois precisam brincar umas com as outras, para desenvolverem o espírito exploratório, a criatividade, a imaginação, a auto-estima, e se tornarem adultos mais fortalecidos emocionalmente. Crianças precisam de interação com outras crianças para desenvolverem sua autonomia e aprenderem sobre os diversos aspectos da vida em comunidade. Na tentativa de aliar interação com segurança, surgiu o entretenimento nos shoppings, mais seguro, mas, em contrapartida, menos educativo, que alimenta um sistema totalmente voltado para o consumo e com quase nenhum valor humano e social.
O escritor e jornalista Josué Soares, em seu artigo “Família e a febre do consumismo”, afirma que o culto ao consumismo tem como efeito a superficialidade das relações, nas quais o "ter" se sobressai ao "ser"; a aparência conta mais ponto do que a essência e os valores estéticos se sobrepõem aos éticos – como conseqüência, vivemos num mundo de futilidades e transgressões.
As brincadeiras estão na história da Humanidade e fazem parte da cultura de um povo e de seu país. Há inúmeras referências a brincadeiras e jogos em achados arqueológicos e em obras de arte e literatura, confirmando o caráter histórico e universal do brincar.
A atividade de brincar tem hoje sua importância reconhecida por vários estudiosos, educadores, e organismos governamentais nacionais e internacionais. É um direito regulamentado pela Declaração Universal dos Direitos da Criança, aprovado na Assembléia Geral das Nações Unidas em 1959 –, que, no princípio 7º, ao lado do direito à educação, enfatiza: “A criança terá ampla oportunidade para brincar e divertir-se, visando os propósitos mesmos da sua educação; a sociedade e as autoridades públicas empenhar-se-ão em promover o gozo deste direito”.
Foi descoberto que uma criança, durante o seu desenvolvimento, passa por diferentes etapas, e em cada uma delas são caracterizados diferentes aspectos da sua relação com o mundo físico e social. O ato de brincar é uma realidade cotidiana da criança, em que a imaginação permite relacionar seus interesses e suas necessidades com a realidade desses dois mundos, e o espaço para expressar seus conhecimentos adquiridos a partir das experiências vividas por ela.
Na publicação da Fundação Roberto Marinho “Professor da Pré-escola” (vol 1, p.20, 2001), existe um trecho que diz:
“A brincadeira é desta forma, um espaço de aprendizagem onde a criança age além do seu comportamento cotidiano e do das crianças de sua idade. Na brincadeira, ela age como se fosse maior do que é na realidade, realizando simbolicamente o que mais tarde realizará na vida real. Embora aparente fazer apenas o que mais gosta, a criança quando brinca aprende a se subordinar às regras das situações que reconstrói. Essa capacidade de sujeição às regras, imposta pela situação imaginada, é uma das fontes de prazer da brincadeira”.
A brincadeira é um meio fundamental para a criança resolver os problemas emocionais que fazem parte de seu desenvolvimento, além de constituir em uma valiosa contribuição para as tentativas da criança de encontrar uma relação sadia entre as idéias e os sentimentos com os quais convive.
Ainda na mesma publicação da Fundação Roberto Marinho (vol.1 p.59, 2001) , é feita uma referência a uma citação de Jean Piaget, em seu livro “A Psicologia da Criança”:
‘(...) são sobretudo os conflitos afetivos que aparecem no jogo simbólico. Podemos ter certeza, por exemplo, que quando ocorre alguma cenazinha banal no almoço, uma ou duas horas depois o drama será produzido num brinquedo de bonecas, e sobretudo, conduzido a uma solução mais feliz, ou porque a criança aplica uma pedagogia mais inteligente do que as dos pais, ou porque integra no jogo o que o seu amor-próprio a impedia de aceitar à mesa(...)
Podemos ter igualmente certeza, se a criança teve medo de um canzarrão, de que as coisas se arranjarão num jogo simbólico, quando os cães deixarão de ser maus ou as crianças serão mais corajosas. De modo geral, o jogo simbólico pode servir, ainda, par a liquidação de conflitos, mas também para a compensação de necessidades não satisfeitas, para a inversão de papéis (obediência e autoridade), para a liberação e extensão do eu.’
Para as crianças, a brincadeira é a melhor maneira de se comunicar, funcionando como o instrumento que ela possui para se relacionar com outras crianças. Brincando, elas aprendem muito sobre o mundo que as cerca e têm a oportunidade de procurar a melhor maneira de se integrarem. A oportunidade de interagir com outras crianças, com irmãos em casa ou em brincadeiras de grupo, contribui para o processo de elaboração da identidade. Assim, brincando, a criança vai pouco a pouco organizando suas relações emocionais, favorecendo a si mesma, condições de aprender a se conhecer e aceitar a existência dos outros, ajudando no relacionamento social e na boa estruturação do caráter e da personalidade.
Cristhiane Pimenta Maia
Nenhum comentário:
Postar um comentário